terça-feira, 22 de janeiro de 2013

Cobranças do ECAD às RADCOM’s são consideradas abusivas



A seção brasileira da Associação Mundial de Rádios Comunitárias (Amarc) e a organização Artigo19 encaminharam ação ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) reivindicando a não cobrança de direitos autorais às emissoras comunitárias.

As entidades argumentam que o Escritório Central de Arrecadação e Distribuição (Ecad), ao fazer cobranças a essas rádios da mesma forma como faz às comerciais, impõe “um tratamento flagrantemente discriminatório e restritivo”. Isso porque “o uso natural e despretensioso” de produções “para satisfação própria ou sem fins econômicos não vêm por violar direitos patrimoniais do autor”.

Arthur William, representante da Amarc Brasil, explica que, quando veiculam músicas nacionais e locais, as rádios comunitárias têm apenas a intenção de distribuir e promover cultura. Dessa maneira, destaca que essas emissoras não devem ser cobradas pelo Ecad, já que exposição pública das obras não tem objetivo de lucro.

Ele aponta também que a Lei 9612, que regula as rádios comunitárias no país, não estabelece formas viáveis de sustentabilidade financeira às emissoras. Pelo contrário, a norma é tão restritiva que acaba ferindo padrões internacionais de liberdade de expressão e informação.

Sem a possibilidade de realizar publicidades e diante da ausência de outras fontes de renda, a ação, encaminhada em dezembro ao STJ, destaca que as cobranças do Ecad são abusivas e contribuem para criminalização da radiodifusão comunitária.

Para exemplificar, Arthur compara o valor das faturas mensais relativas aos direitos autorais, que segundo ele chegam a 500 reais, ao valor do salário mínimo, hoje atualizado em 678 reais. Assim, aponta que as cobranças aumentam a desigualdade vivenciada pelas comunitárias, impedindo o exercício do direito humano à comunicação de comunicadores e suas comunidades.

Por AMARC Brasil

Por que o governo deve apoiar a mídia alternativa



Em audiência pública na Comissão de Ciência & Tecnologia, Comunicação e Informática da Câmara dos Deputados, realizada em 12 de dezembro último, o presidente da Associação Brasileira de Empresas e Empreendedores da Comunicação (Altercom), Renato Rovai, defendeu que 30% das verbas publicitárias do governo federal sejam destinadas às pequenas empresas de mídia.

Dirigentes da Altercom também estiveram em audiência com a ministra da Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República (Secom-PR), Helena Chagas, para tratar da questão da publicidade governamental.

Eles argumentam que o investimento publicitário em veículos de pequenas empresas aquece toda a cadeia produtiva do setor. Quem contrata a pequena empresa de assessoria de imprensa, a pequena agência publicitária, a pequena produtora de vídeo, são os veículos que não estão vinculados aos oligopólios de mídia.

Além disso, ao reivindicar que 30% das verbas publicitárias sejam dirigidas às pequenas empresas de mídia, a Altercom lembra que o tratamento diferenciado já existe para outras atividades, inclusive está previsto na própria lei de licitações (Lei nº 8.666/1993).
Dois exemplos:

1 - Na compra de alimentos para a merenda escolar, desde a Lei nº 11.947/2009, no mínimo 30% do valor destinado por meio do Programa Nacional de Alimentação Escolar, do Fundo de Desenvolvimento da Educação, do Ministério da Educação, gestor dessa política, deve ser utilizado na aquisição “de gêneros alimentícios diretamente da agricultura familiar e do empreendedor familiar rural ou de suas organizações, priorizando-se os assentamentos da reforma agrária, as comunidades tradicionais indígenas e comunidades quilombolas”.

2 - No Fundo Setorial do Audiovisual (FSA), destinado ao desenvolvimento da atividade audiovisual, criado pela Lei nº 11.437/2006 e regulamentado pelo Decreto nº 6.299/2007, a distribuição de recursos prevê cota de participação para as regiões onde o setor é mais frágil. Do total de recursos do FSA, 30% precisam ser destinados ao Norte, Nordeste e Centro Oeste. Vale dizer, não se podem destinar todos os recursos apenas aos estados que já estão mais bem estruturados (ver aqui, acesso em 11/1/2013).

A regionalização das verbas oficiais

A reivindicação da Altercom é consequência da aparente alteração do comportamento da Secom-PR em relação à chamada mídia alternativa.
A regionalização constitui diretriz de comunicação da Secom-PR, instituída pelo Decreto n° 4.799/2003 e reiterada pelo Decreto n° 6.555/ 2008, conforme seu art. 2°, X:

“Art. 2º – No desenvolvimento e na execução das ações de comunicação previstas neste Decreto, serão observadas as seguintes diretrizes, de acordo com as características da ação:
“X – Valorização de estratégias de comunicação regionalizada.”
Dentre outros, a regionalização tem como objetivos “diversificar e desconcentrar os investimentos em mídia”.

De fato, seguindo essa orientação a Secom-PRtem ampliado continuamente o número de veículos e de municípios aptos a serem incluídos nos seus planos de mídia. Os quadros abaixo mostram essa evolução. (Fonte: Núcleo de Mídia da Secom)

Trata-se certamente de uma importante reorientação histórica na alocação dos recursos publicitários oficiais, de vez que o número de municípios potencialmente cobertos pulou de 182, em 2003, para 3.450, em 2011, e o número de veículos de comunicação que podem ser programados subiu de 499 para 8.519, no mesmo período.

Duas observações, todavia, precisam ser feitas:

Primeiro, há de se lembrar que “estar cadastrado” não é a mesma coisa que “ser programado”. Em apresentação que fez na Confederação Nacional dos Trabalhadores do Ramo Financeiro (Contraf), São Paulo, em 16 de julho de 2009, o ex-secretário executivo da Secom-PR Ottoni Fernandes Júnior, recentemente falecido, citou como exemplo de regionalização campanha publicitária em que chegaram a ser programados 1.220 jornais e 2.593 emissoras de rádio – 64% e 92%, respectivamente, dos veículos cadastrados.

Segundo e, mais importante, levantamento realizado pelo jornal Folha de S.Paulo, a partir de dados da própria Secom-PR, publicado em setembro de 2012, revela que nos primeiros 18 meses de governo Dilma Rousseff (entre janeiro de 2011 e julho de 2012), apesar da distribuição dos investimentos de mídia ter sido feita para mais de 3.000 veículos, 70% do total dos recursos foram destinados a apenas dez grupos empresariais (ver “Globo concentra verba publicitária federal”, CartaCapital, 13/9/2012, acesso em 12/1/2013).

Vale dizer, o aumento no número de veículos programados não corresponde, pelo menos neste período, a uma real descentralização dos recursos. Ao contrário, os investimentos oficiais fortalecem e consolidam os oligopólios do setor em afronta direta ao parágrafo 5º do artigo 220 da Constituição Federal de 1988, que reza: “Os meios de comunicação social não podem, direta ou indiretamente, ser objeto de oligopólio ou monopólio”.

Democracia em jogo

A mídia alternativa, por óbvio, não tem condições de competir com a grande mídia se aplicados apenas os chamados “critérios técnicos” de audiência e CPM (custo por mil). A prevalecerem esses critérios, ela estará sufocada financeiramente, no curto prazo.

Trata-se, na verdade, da observância (ou não) dos princípios liberais da pluralidadee da diversidadeimplícitos na Constituição por intermédio do direito universal à liberdade de expressão, condição para a existência de uma opinião pública republicana e democrática.

Se cumpridos esses princípios (muitos ainda não regulamentados), o critério de investimentos publicitários por parte da Secom-PR deve ser “a máxima dispersão da propriedade” (Edwin Baker), isto é, a garantia de que mais vozes sejam ouvidas e participem ativamente do espaço público.

Como diz a Altercom, há justiça em tratar os desiguais de forma desigual e há de se aplicar, nas comunicações, práticas que já vêm sendo adotadas com sucesso em outros setores. Considerada a centralidade social e política da mídia, todavia, o que está em jogo é a própria democracia na qual vivemos. Não seria essa uma razão suficiente para o governo federal apoiar a mídia alternativa?

Por Observatório da Imprensa

Autor: Venício A. de Lima (jornalista e sociólogo, pesquisador visitante no Departamento de Ciência Política da UFMG, professor aposentado de Ciência Política e Comunicação da UnB  e autor do livro Política de Comunicações: um Balanço dos Governos Lula (2003-2010), Editora Publisher Brasil, 2012).

Debate aponta desafios para Conselhos de Comunicação



Com o objetivo de aprofundar e ampliar a discussão sobre o papel dos conselhos estaduais de comunicação, o Intervozes realizou nesta segunda (14/01) um bate-papo pela internet, com foco nas diversas propostas em andamento que incentivam a participação popular nas políticas de comunicação.

Entre os temas debatidos os convidados destacaram as funções que os conselhos podem desempenhar como a de auxiliar na construção da agenda local das políticas de comunicação (hoje centralizada no nível federal), na democratização da distribuição das verbas publicitárias governamentais, na reflexão sobre políticas de comunicação e na construção de programas de inclusão digital, além de fiscalizar as emissoras públicas e privadas no cumprimento de seus deveres legais e a reflexão cotidiana sobre a comunicação (produzindo levantamento de informações, seminários e audiências públicas etc.).

Os diferentes processos e experiências estaduais foram relatados e discutidos por Pedro Caribé, um dos representantes da sociedade civil no Conselho Estadual de Comunicação Social da Bahia (CECS-BA), Claúdia Cardoso, diretora de Políticas Públicas de Comunicação do Governo do Rio Grande do Sul, além de Jacson Segundo, da coordenador de articulação social do Governo do Distrito Federal e Jonas Valente, do Sindicato dos Jornalistas do DF, uma das entidades que articularam a proposta de conselho em Brasília.

De acordo com Cláudia Cardoso, um grupo de trabalho está finalizando a formalização do projeto de lei de criação do conselho estadual gaúcho deve encaminhar até fevereiro o texto ao governador Tarso Genro. O projeto recebeu as contribuições da sociedade civil por meio de consulta pública. A representante do governo afirma que “não houve, porém, consenso sobre o regimento e a forma de eleição dos conselheiros, que deve ser elabora pela primeira gestão indicada pelo governador”.

“O Conselho pode auxiliar  na formulação de políticas para comunicação digital e internet banda larga e pode ajudar a fortalecer os meios de comunicação públicos”, defendeu Jacson Segundo. Segundo o representante do governo do Distrito Federal, o órgão pode servir também como canal direto da sociedade civil para encaminhar suas demandas. “O cidadão pode acionar o conselho no momento em que ele achar conveniente”, disse.

Jonas Valente anunciou que a sociedade civil se reuniu para discutir o andamento do processo de implementação do conselho do Distrito Federal e deve entrar com um pedido de prorrogação do prazo da consulta pública. Além disso, defendeu que as atribuições do órgão deveriam ser mais amplas do que as já previstas na Constituição do Distrito Federal. Segundo ele, “ defendemos que a lei orgânica deve ser respeitada. Nossa interpretação é de que o conselho de comunicação deve cumprir a função de órgão de assessoramento, mas não deve se restringir a isso, pois não há esse tipo de restrições na lei”.

Para Pedro Caribé, o CECS-BA - único conselho estadual em funcionamento - ainda sofre de várias deficiências de estrutura e metodologia e até agora efetivou pouca coisa, no ano passado apenas aprovou seu regimento interno e o orçamento 2012/2013. O conselheiro defende que o órgão poderia desempenhar um papel importante de forma complementar e horizontal às ações federais, como de fiscalização e de implementação da universalização da banda larga, por exemplo. Todavia, não se restringem a essas suas funções. “Tratando da questão da verba pública aplicada em publicidade podemos desenvolver políticas para fomentar a diversidade e não entrar na lógica da tiragem e da audiência”.

Entenda:

Com a redemocratização do país, a Constituição de 1988, previu a criação de um Conselho de Comunicação Social que funcionaria em nível federal, mas que só foi colocado em funcionamento em 2002. No mesmo sentido, algumas constituições estaduais prevêem a implementação de conselhos de comunicação. Apesar disto, somente em um período recente, impulsionados também pela mobilização que resultou na I Conferência Nacional de Comunicação, essas propostas passaram a sair do papel. O Conselho Estadual de Comunicação Social da Bahia surge neste momento, criado em maio de 2011 (e empossado apenas em 10 de janeiro de 2012), vinte e dois anos depois de ter sido incorporado à constituição baiana. No Rio Grande do Sul e Distrito Federal, o processo encontra-se em andamento. No Ceará, aprovado na Assembléia Legislativa, proposta foi vetada pelo governador em 2010. Confira a íntegra do debate: http://www.youtube.com/watch?v=BQOaBeEVNfE&feature=plcp


Por Observatório do Direito à Comunicação

A história de luta pela regulamentação da TV a Cabo no Brasil



A luta pela regulamentação da TV a cabo no Brasil fundamentou-se na possibilidade de se oferecer à população brasileira uma alternativa à TV aberta, oligopolizada por um número reduzido de emissoras. O ápice desta batalha se deu no início da década de 90, quando foi apresentado um projeto de lei na Câmara dos Deputados que, depois de muita negociação, foi aprovado no final de 1994 e converteu-se na Lei nº 8.977/1995, sancionada em 6 de janeiro de 1995 (a Lei do Cabo). Com a lei, foi regulamentado o funcionamento de canais privados no sistema de televisão por assinatura brasileiro e também dos canais básicos de utilização gratuita (comunitários, legislativos, universitários e educativo-culturais).

De acordo com o professor da Faculdade de Comunicação da Universidade de Brasília (UnB), Murilo César Ramos, que participou ativamente das negociações da Lei do Cabo como representante da Academia, ver a TV a Cabo como alternativa à TV aberta era um sonho, já que as próprias experiências de TV paga no mundo sempre mostraram que eram uma opção elitizada, por conta do acesso restritivo. Mas foi este sonho que motivou o início da luta pela regulamentação e o desenho dos primeiros esboços desse modelo de televisão no Brasil.

Segundo relata o professor Murilo, a luta pela regulamentação da televisão a cabo no Brasil começou ainda na década de 70, com a criação da Associação para a Promoção da Cultura (APC), em 1973, pelo ativista gaúcho Daniel Herz, que faleceu em 2006. “Graças a encontros entre Daniel Herz, representando a APC, e o professor Romero Simon, do departamento de Engenharia da Universidade do Rio Grande do Sul (URGS), em meados da década de 70, foi elaborado um projeto-piloto de TV a cabo para o Rio Grande do Sul e entre o fim dos anos 70 e início dos anos 80 o Ministério das Comunicações chegou a ser provocado para regulamentar a TV a cabo no Brasil”, relembra Murilo Ramos.

Se a pressão dos radiodifusores fez com que a discussão não prosperasse naquela época, no início da década de 90 a discussão volta com força total, e encontra uma sociedade mais organizada. Entre outros atores, existia na época o Movimento Nacional pela Democratização da Comunicação, que atuou durante a Assembleia Constituinte  pela inclusão dos artigos referentes à Comunicação Social na Constituição Federal e que agregava várias entidades do setor. Em 1992 o Movimento se transformou no Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC), que assumiu o protagonismo desta luta. Além disso, Daniel Herz, fundador da APC e grande entusiasta da ideia, ocupava a presidência da Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj), uma das entidades fortes do FNDC.

Em 1991 foi realizada em Brasília uma audiência pública organizada pela Secretaria Nacional de Comunicação (SNC) – órgão equivalente ao Ministério das Comunicações no governo Collor – sobre a consulta pública da portaria que criava o serviço de TV a Cabo no Brasil. “Na véspera da consulta, realizamos uma grande plenária na UnB e estavam presentes organizações da sociedade civil envolvidas com o tema na época: Fenaj, Sindicato dos Jornalistas, Radialistas, o pessoal da própria Faculdade de Comunicação da UnB, entre outras, para decidir como iríamos participar dessa audiência, como seria a intervenção. No dia da audiência, o auditório ficou tomado pelas organizações, que também fizeram faixas, e isso até causou grande surpresa nos participantes da audiência”, conta o professor.

Nesse período, a reivindicação da sociedade civil era principalmente em relação ao instrumento jurídico quer seria utilizado para regulamentar TV a Cabo no Brasil. “Dizíamos que se tratava de assunto tão importante, que uma mera portaria não poderia regulamentar. Nós queríamos uma lei, aprovada no Congresso, para fortalecer a política e para que houvesse um debate amplo e democrático no Congresso. E também porque não queríamos correr o risco de ver as outorgas entregues para as mesmas emissoras que já monopolizavam a TV aberta”, conta Murilo Ramos.

“Nós decidimos fazer um projeto de lei para parar a portaria. Um dia, fizemos uma reunião com Carlos Eduardo Zanata, assessor técnico para a comunicação da bancada do PT na Câmara,  e elaboramos uma proposta. Chamamos o Tilden Santiago, deputado federal pelo PT de Minas, jornalista ligado às lutas históricas pela democratização da comunicação e ele assinou o projeto. Estava pautada no Congresso a regulamentação da TV a cabo. Com o projeto tramitando, o Executivo ficou de mãos atadas. Ele não iria ter coragem de soltar a portaria se tinha um projeto em tramitação sobre o mesmo assunto”, explica o professor, referindo-se ao Projeto de Lei nº 2.120, que dispunha sobre o Serviço de “Cabodifusão” no Brasil e foi apresentado na Câmara em novembro de 1991 pelo então deputado federal Tilden Santiago.

Um ano após o projeto de lei ter sido apresentado na Câmara, aconteceu um fato inédito e positivo para as entidades do movimento nacional pela democratização da comunicação: a deputada federal Irma Passoni (PT-SP) assumiu a presidência da Comissão de Ciência e Tecnologia, Comunicação e Informática (CCTCI) da Câmara dos Deputados, o que o professor Murilo Ramos qualifica de “acidente legislativo positivo para o nosso campo”, já que normalmente a comissão ficava sob comando de setores mais conservadores da sociedade. “Ela designou como relator do Projeto de Lei o deputado Koiyu Iha (PSDB-SP), num lance de mestre, porque não tinha como brigar com o PFL sem uma aliança maior na Câmara. Nós ajudamos a montar uma pauta para a comissão, que fazia reuniões formais e informais, audiências. Ela passou a comandar dentro do Congresso a discussão, a partir da visão de que não era um problema do parlamento, mas de que a lei tinha que ser feita pela sociedade”, rememora o professor Murilo.

Para o radialista e diretor do Sindicato dos Radialistas do Distrito Federal (SINRAD-DF) Chico Pereira, que na época era diretor do SINRAD-DF e integrante do Movimento Nacional de Radialistas – que mais tarde se transformaria na Federação Interestadual dos Trabalhadores em Rádio e TV (Fitert) –, a aprovação da Lei do Cabo foi resultado de uma “boa aliança entre movimentos sociais e alguns parlamentares”, referindo-se ao espaço para o diálogo que se estabeleceu entre a sociedade e a CCTCI. “Sem dúvida, a aprovação desta lei esta foi uma conquista da sociedade civil organizada em parceria com legisladores sérios, atuando conjuntamente por dentro da Comissão”, relata o radialista. “Nossa grande busca era garantir na Lei do Cabo um espaço aberto e patrocinado para as TVs comunitárias, legislativas, universitárias. Foi alcançado não o quanto queríamos, mas foi alguma coisa. Um dos pontos importantes, a meu ver, foi garantir que a TVs comunitárias tivessem canais no cabo com o mínimo de gasto possível”, conta Chico Pereira, que também comemora a garantia do espaço para os canais legislativos no cabo.

Divergências na negociação

A CCTCI havia sinalizado que acataria as sugestões que viessem da sociedade para fechar o texto da lei, mas a própria sociedade estava com dificuldades de fechar um texto comum, devido à intervenção dos empresários nas negociações. “Ainda vigia o monopólio estatal das telecomunicações e a Telebrás – e representantes da Federação Interestadual dos Trabalhadores em Empresas de Telecomunicações (Fittel), muitos deles trabalhadores da Telebrás – diziam que só ela poderia fazer e operar estas redes. Já as empresas privadas diziam que se tratava de um serviço privado e que não cabia o monopólio, destinado apenas para serviço público. E as forças hegemônicas do FNDC (representadas principalmente por Daniel Herz, presidente da Fenaj na época) defendiam que a rede podia ser privada, mas com estatuto público, inclusive eu também defendia essa posição”, relata o professor Murilo Ramos.

Ramos esclarece ainda que “aquela foi uma discussão presidida pela questão tecnológica e o grande impasse era o controle da rede. Sabia-se já naquela época que o futuro era a fibra ótica e a banda larga, as redes de alta velocidade e alta capacidade”, diz o professor. Ainda segundo ele, depois de intensas negociações, a proposta apresentada pelas hegemônicas do FNDC foi acolhida pelo relator do projeto. “A rede seria privada, mas o estatuto dela seria público, como são as redes das concessionárias hoje”, afirma o professor.

As últimas negociações entre a sociedade para deliberar sobre a Lei do Cabo ocorreram em uma plenária do FNDC que ocorreu em Salvador, no segundo semestre de 1994. “Era a plenária que fecharia o texto final da lei, claro, com as pré-condições postas”, conta o professor Murilo Ramos, que se lembra de outro ponto de discordância surgido na plenária: a questão da exclusividade na exploração do serviço. “Os empresários conseguiram aprovar que haveria exclusividade para exploração do serviço e houve forte reação contrária da sociedade em relação a este ponto. Fizemos um acordo para que houvesse competição e, finalmente, o deputado Koiyu Iha recebeu o texto que foi aprovado na nossa plenária da deputada Irma Passoni. Depois disso, foi feito um acordo de lideranças e o texto foi aprovado sem mudanças na Câmara e no Senado. Passou em outubro de 1994 no Congresso e foi a primeira lei sancionada pelo FHC, em janeiro de 1995”, finaliza o professor.

O jornalista, diretor da TV Comunitária de Brasília e vice-presidente da Fenaj na época das negociações da Lei do Cabo, Beto Almeida, afirma que foi contra alguns elementos do acordo feito entre a sociedade civil organizada, parlamentares e empresários para a aprovação da lei, mas foi voto vencido. “Nós gostaríamos de ver incluída a limitação à propriedade cruzada, para que não se reproduzisse no cabo o mesmo desequilíbrio do controle de espaços midiáticos por setores já poderosos no espaço aberto”, recorda Almeida.  “Outra questão que buscamos e fomos derrotados era a inclusão de uma forma de sustentabilidade às TVs comunitárias, porque os canais das instituições, como TV Senado, Câmara e TVs Assembleia têm sua forma de sustentabilidade, mas as TVs comunitárias não. Ademais, há uma proibição para que elas pratiquem a publicidade, então, como vai viver uma televisão comunitária? E tiveram outras propostas e projetos que tentamos incluir na negociação na época, mas que não fomos atendidos Nós queríamos que a Lei do Cabo tivesse um grau de democracia e pluralidade um pouco mais amplo. Houve a conquista possível”, relata.

Mobilização da sociedade: conquista alcançada e não continuidade

Para Murilo Ramos, esta foi, depois da Assembleia Nacional Constituinte, a mais importante mobilização que reuniu sociedade civil, empresas e Congresso, para discutir um tema de comunicação. “Depois da Constituinte foi a maior mobilização, fazendo-se uma ressalva apenas para a Confecom, que trouxe outros atores de fora do campo da comunicação para discutir o tema, e essa foi uma grande contribuição. As discussões da Constituinte e da Lei do Cabo ficaram no meio de especialistas”, argumenta o professor, que acredita ainda que as discussões e mobilizações em relação à Lei do Cabo fizeram com que a sociedade civil se organizasse melhor e acumulasse muito politicamente.

Entretanto, segundo o radialista Chico Pereira, a mobilização da sociedade, que neste caso da Lei do Cabo se deu de forma bastante ativa, esfriou. “A julgar pela mobilização e pela forma como as coisas vinham acontecendo, eu tinha a impressão de que outras coisas, como a regulamentação dos artigos da Constituição Federal relativos à comunicação, viriam com o mesmo grau de interesse e construção de consenso”, pontua. “Acredito que isto não se deu porque o perfil do Congresso Nacional piorou muito, na medida em que houve um derrame de concessões, inclusive de comunitárias, para os parlamentares. Isso passou a ser um dos grandes entraves para a regulamentação da comunicação no Brasil”, constata o radialista.

De qualquer forma, é consenso entre os representantes da sociedade civil que atuam no campo da comunicação que, embora o texto aprovado não tenha sido o ideal, a garantia dos canais básicos de utilização gratuita (comunitários, legislativos, universitários e educativo-culturais) no sistema de televisão a cabo brasileiro foi muito importante. “Marcou uma possibilidade, um potencial. E para mim, o grande legado são os canais legislativos, porque eles tinham recursos e conseguiram, progressivamente, montar seus canais no cabo, obter outorga e colocá-los no satélite. O acesso ainda é restrito, mas o sucesso desses canais é do ponto de vista de conteúdo, pelo fato de terem recursos e profissionais se dedicando a eles”, reflete o professor Murilo Ramos.


 Por Observatório do Direito à Comunicação
Autora: Cecília Bizerra

segunda-feira, 21 de janeiro de 2013

Portaria cria Canal da Cidadania: duas Emissoras comunitárias por município



Após muita expectativa das entidades que participam das emissoras comunitárias no Brasil, finalmente saiu a regulamentação do Canal da Cidadania, uma emissora em sinal aberto, que poderá ser captada por todas as TVs com o processo de digitalização. O Ministério das Comunicações publicou no dia 18 de dezembro a portaria nº 489/12, regulamentando o Canal da Cidadania, previsto no decreto que criou o Sistema Brasileiro de TV Digital (5820/2006).

Como o sinal digital ocupa menos espaço no espectro eletromagnético, será possível a veiculação de pelo menos quatro faixas de programação no referido canal. Ou mesmo cinco: “A Secretaria de Serviços de Comunicação Eletrônica poderá, a qualquer tempo, determinar a inclusão de uma quinta faixa destinada à programação de órgãos e entidades vinculados a União...” (Artigo 4.2.3). Serão duas faixas com programação produzida por associações comunitárias, uma para o Estado e uma para o Município. O Distrito Federal terá três faixas comunitárias.
Reivindicação antiga

A responsabilidade sobre a programação do canal da cidadania vem sendo reivindicada há muito pelas emissoras comunitárias do país, regularizadas pela Lei do Cabo (8.977/95). Há anos que estes canais reivindicam espaço no sinal aberto. Após o decreto da TV Digital, representantes do Ministério das Comunicações garantiram que pelo menos uma parte da programação seria realizada pelas atuais emissoras comunitárias. A surpresa fica por conta de ser, não uma, mas duas faixas de caráter comunitário por cidade. Pela portaria 489, quem vai programá-las são “associações comunitárias”, que serão escolhidas pelo Ministério das Comunicações, após a publicação de avisos de habilitação.

As atuais emissoras do cabo, organizadas em associações municipais, terão 60 dias - após o aviso de habilitação - para enviar uma série de documentos, incluindo “prova de quitação eleitoral de todos os dirigentes das entidades”, muitas certidões negativas e manifestações oficiais de apoio de associações comunitárias e instituições de ensino superior”. Quem não cumprir este prazo estará inabilitado.

E nem mesmo estará garantida a “outorga” a esta emissora, mesmo que cumpra toda a burocracia, pois a portaria afirma que, no caso de mais de duas associações reivindicarem a autorização, o Ministério irá propor um acordo entre as partes e, no caso destas não aceitarem, será usado um critério de pontuação definido da seguinte forma: “um ponto por manifestação de apoio de associações comunitárias, entidades associativas e instituições de ensino superior instituídas há mais de dois anos no município, totalizando, no máximo, 20 pontos” e 10 pontos para as associações comunitárias que ocupam o cabo. Ou seja, ainda que toda a extensa documentação esteja em dia, o Minicom é quem dá a palavra final sobre quem vai gerir o canal em cada cidade. A portaria prevê ainda que no caso de empate de pontos a decisão será por sorteio. E exige que as associações sejam “autônomas, não se subordinando administrativa, financeira ou editorialmente a nenhuma outra entidade”.

A portaria determina que o estatuto social da associação comunitária que reivindicar a programação desta faixa deve “assegurar, em seu estatuto social, o ingresso gratuito, como associado, de todo e qualquer cidadão domiciliado no município, bem como de outras entidades associativas ou comunitárias sem fins lucrativos nele sediados”. Levando em conta que as atuais emissoras comunitárias são constituídas por entidades, no mínimo será necessário realizar alterações estatutárias para garantir a possibilidade de disputa.
A portaria é confusa ao afirmar que “as autorizações para operação do Canal da Cidadania terão prazo de duração indeterminado (5.1)”, o que tornariam as concessões definitivas, e depois, no 5.1.1 que “o Minicom promoverá a cada 15 anos um novo processo seletivo para definir as entidades responsáveis por programar as faixas...”. A portaria deixa claro que as autorizações não serão dadas diretamente às associações, pois o canal é da União.

Sustentação financeira

Em relação à sustentação financeira do canal, estão previstas dotações orçamentárias específicas apenas para os canais programados pelo poder público. Para as emissoras comunitárias se propõem doações de pessoas físicas e jurídicas, apoio cultural, publicidade institucional e acordos e convênios com entidades públicas ou privadas. É vetado qualquer tipo de publicidade comercial.

No caso dos canais que serão geridos pelo Estado e Município é exigida a “constituição” de um Conselho de Comunicação. Mas sem nenhuma referência ao perfil do conselho, ou mesmo sua real existência política, que poderá até ser criado em vários municípios ou estados apenas para cumprir a exigência da portaria. Ou mesmo ser um conselho formado apenas por representantes do poder executivo e/ou legislativo.

Para cada canal explorado por associações comunitárias se exige a criação de um respectivo conselho local, com representação de “diversos segmentos do Poder Público e da comunidade local” e a instituição de um Ouvidor, eleito por este conselho, que também deverá garantir “as condições necessárias ao desempenho das atividades do Ouvidor”. É no mínimo estranha a exigência de representantes dos poderes públicos em uma emissora comunitária. Serão, portanto, dois conselhos locais e um conselho de comunicação em cada cidade interessada em ocupar o espaço eletromagnético com o sinal digital.

Ao contrário do que acontece com as concessões comerciais, as associações poderão ter “revogação da outorga” (5.1) se receberem três multas em um biênio e, nesse caso, o Ministério das Comunicações “selecionará nova associação para programação das faixas”. As multas podem ser aplicadas no caso da emissora descumprir qualquer item da referida portaria.

O Ministério das Comunicações não garante que todos os municípios terão espaço imediato para o Canal da Cidadania. Em entrevista a um site especializado em comunicação, Octávio Pierante, diretor do Departamento de Acompanhamento e Avaliação de Serviços de Comunicação Eletrônica do Ministério, afirma que "na maior parte, já existem canais tecnicamente viabilizados, mas em algumas cidades (cerca de 900) o espectro é congestionado, e é possível que a viabilização dos canais só venha com a digitalização completa das emissoras".

O que fica claro é que a sociedade precisa se organizar o mais rápido possível para ocupar este importante espaço de comunicação na TV aberta, não permitindo que grupos ligados às elites locais se apropriem deste canal. É hora de pressionar os parlamentares estaduais e municipais para a instituição de conselhos de comunicação democráticos e de organizar associações da sociedade civil amplamente representativas.

Pela primeira vez a sociedade civil pode ter acesso direto a canais de TV aberta, reivindicação feita há décadas pelos lutadores pela democratização da comunicação. Para garantir que seja um canal realmente democrático e plural é importante que os movimentos sociais participem deste processo. Só a sociedade organizada pode garantir que estes canais sejam a expressão das comunidades e dos que não tem voz nos canais comerciais. 

Por Observatório do Direito à Comunicação –
Autora: Claudia de Abreu