Por Daniel Nunes*
A
Ordem dos Advogados do Brasil (OAB/Seção de Alagoas), em contribuição ao
seminário “Mídia
e Violência: Construindo Estratégias de Proteção à Criança e ao Adolescente”, promovido do Comitê Estadual do Fórum Nacional
pela Democratização da Comunicação (FNDC Alagoas – Jornalista Freitas Neto),
traz ao debate a questão da redução da maioridade penal, uma polêmica antiga,
mas bastante abordada neste final de ano, no âmbito local e nacional, por conta
de diversas Propostas de Emenda à Constituição em tramitação no Congresso
Nacional.
O assunto, embora muito específico (renderia um evento à parte), é
bastante apropriado a um seminário que se dispõe a abrir espaço, na pauta da
Mídia, para a construção de estratégias de proteção à criança e ao adolescente.
Proteção esta que deve também ser estendida àquela parcela de crianças e
adolescentes envolvidos direta ou indiretamente no chamado “mundo cão” da
violência e marginalidade.
Pois bem, essa construção de estratégias de proteção, no caso
específico dos adolescentes em conflito com a lei, deve começar pela superação
de preconceitos e estigmas. Com raríssimas exceções, são poucas as coberturas jornalísticas
que contextualizam a situação em foco. O
que se vê no noticiário em geral (jornal, rádio, televisão e sites de notícias)
é uma campanha ferrenha que confunde a opinião pública, a exemplo da propagação
do termo jurídico “inimputabilidade” como sinônimo de “impunidade”. Assim como
também tem sido difundido, equivocadamente (ou propositadamente) o conceito de
direitos humanos como “direitos de bandidos”.
Ora, a partir dos 12 anos, segundo o Estatuto da Criança e do
Adolescente (ECA), o adolescente pode ser responsabilizado por ato infracional,
mas não pode ser conduzido a um Sistema Prisional, que, frise-se, não dá conta
nem de cumprir sua função social de controle, reinserção e reeducação dos
agentes adultos da violência. O problema é que a responsabilização dos
adolescentes, por meio de medidas socioeducativas previstas no ECA, não tem
sido efetiva por falhas do próprio Estado, sobretudo, na manutenção das
Unidades de Internação.
Tais unidades, insuficientes e sem a mínima estrutura, longe de
serem locais apropriados para o cumprimento da medida mais severa preconizada
pelo ECA, que é a internação, vivem em constante colapso. São verdadeiros
depósitos de infratores adolescentes, assim como os presídios são depósitos de
adultos criminosos. Desvendar as causas desse caos e apontar saídas, analisando
os fatos e suas versões, deveria ser a grande pauta investigativa da Mídia. No
entanto, reproduzir discursos reducionistas, a exemplo daqueles que apontam a
redução da maioridade penal como saída para redução da violência no Brasil, tem
sido a tônica da Mídia em geral.
Sob o ponto de vista técnico-jurídico, a OAB, em nível nacional,
por meio do presidente Marcus Vinicius Furtado, já alertou que é flagrantemente
inconstitucional a redução da maioridade penal para 16 anos. Isso porque a
redução pura e simples da maioridade não irá proporcionar a reinserção social
de menores infratores e a diminuição dos índices de criminalidade no país,
benefícios tão reclamados pela sociedade.
Ao analisar três das seis Propostas de Emenda à Constituição
(PECs) que tratam da matéria – as de números 33/12, 74/11 e 83/11 -, o
presidente Conselho Federal da OAB foi enfático quanto à necessidade de o
Estado garantir o cumprimento de efetivas políticas públicas destinadas à
proteção da infância e adolescência, com investimento permanente de recursos
financeiros focados na educação, lazer e desporto, atividades culturais e na
inserção dos adolescentes no meio social e no mercado de trabalho.
É notório que o Estado não tem também conseguido cumprir esse papel
nem convencer os adolescentes de que, integrados à sociedade, eles podem
crescer e progredir. Sem receberem o tratamento adequado, esses seres humanos
acabam virando peças vulneráveis para o cometimento de infrações e sentem-se
acolhidos nas instituições criminosas. O que vem ocorrendo é o descumprimento
sistemático do ECA, que, quando prevê a internação, determina o oferecimento de
educação profissionalizante e de estímulos para que os adolescentes não cometam
novos crimes.
Uma pergunta antiga continua sem resposta. Um Estado que não tem
políticas educacionais, de lazer, de saúde, de ingresso desses adolescentes no
mercado de trabalho e que não tem um sistema carcerário voltado para a
reeducação detém legitimidade para tratar adolescentes de 16 anos como adultos?
Essa é, portanto, a questão de fundo que cabe numa pauta investigativa de
qualquer que seja o veículo de Comunicação no cumprimento do seu dever de
informar à sociedade.
Voltando à análise Constitucional, coube à OAB alertar à
sociedade, à Mídia e, mais especificamente, aos senadores brasileiros, durante
audiências realizadas sobre a matéria, que a maioridade penal aos 18 anos,
prevista no artigo 228 da Carta Magna, é cláusula pétrea, não podendo, portanto
ser alterada e, conforme disposto no artigo 60, parágrafo 4º, inciso IV, da
Carta constitucional, não pode haver proposta de emenda tendente a reduzir ou
limitar direito individual. Ressalte-se ainda que, ao julgar a Ação Direta de
Inconstitucionalidade número 939, o Supremo Tribunal Federal decidiu que os
direitos individuais não são apenas os previstos no artigo 5º da Constituição
da República.
. Os efeitos colaterais graves que uma possível mudança quanto à
maioridade penal pode gerar, caso venha a ser concretizada, também já foram
levantados pela OAB. Por exemplo, se ficar convencionado que não são mais
adolescentes as pessoas entre 16 e 18 anos, essa faixa etária das famílias
brasileiras ficará desprotegida de crimes como a exploração sexual de menores,
do tráfico internacional de menores e da venda de drogas a menores.
Por fim, é vital reforçar o alerta disposto no ECA
(art. 18): “é dever de todos velar pela dignidade da criança e do
adolescente, pondo-os a salvo de qualquer tratamento desumano, violento,
aterrorizante, vexatório ou constrangedor”. Nesse sentido, junto com a família, o Estado e
a sociedade civil como um todo, a Mídia tem que fazer sua parte e cumprir sua
função social, que não passa só divulgação de números e muito menos pelo
reforço de discursos superficiais de reprodução da desinformação.
*É presidente da Comissão de Direitos Humanos da OAB/Seção de Alagoas.
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