terça-feira, 28 de abril de 2015

#ForaGlobo e #Descomemoração. Do que, de fato, estamos falando?



por Ivan Moraes Filho* 

Em diversos lugares do Brasil, um monte de gente foi às ruas “descomemorar” o aniversário da Rede Globo, jovem senhora que soprou cinquenta velinhas no seu bolo cheio de recheio, domingo passado, dia 26 de abril de 2015. Entre comentários mais ou menos embasados sobre a necessidade de “derrubar” o império midiático levantado pelos Marinho em parceria com os generais e empresários que tomaram o país na década de 1960, tenho visto alguns comentários de gente boa, sabida e do bem. Gente que anda meio descoisada com essa coisa toda de #foraglobo e etecéteras. Argumentam, bem argumentado, que a Vênus Platinada faz merda, mas faz muita coisa boa. Que bota pra arrombar na teledramaturgia, que foi pioneira de um monte de coisa e que tem na sua história vários capítulos dos quais temos mais é que nos orgulhar. Que suas “concorrentes” são uó do borogodó. E que, por isso, os protestos são infundados.

Como o papo é bom, vamos a ele.

Antes de mais nada, é preciso compreender do que realmente estamos falando. É inegável que os #foraglobo mobilizam a atenção das pessoas, e (em vários sentidos) em especial de quem ainda não se debruçou sobre o que realmente está em jogo. De fato, não há, de forma concreta, nenhuma iniciativa objetiva em curso que peça que a presidenta (ou quem quer que seja) cancele a outorga da Globo (no caso, as outorgas. São cinco pelo Brasil, à parte das pouco menos de 200 afiliadas). Tal atitude, por mais que seja desejo de muita gente, não encontra respaldo na nossa lei. Seria impensado e autoritário. Denúncias de desvio de impostos, por exemplo, têm que ser investigadas e punidas de acordo com a lei. Fechar a empresa numa canetada não faz sentido. É mais ou menos como pedir o impitimam da presidenta. Tem quem queira, mas na democracia (feliz ou infelizmente), não dá. Sigamos.

O que está, de fato, em jogo (e a “descomemoração” é um sitoma disso), é a garantia da liberdade de expressão de TODAS AS PESSOAS e a diversidade na informação, a que todo mundo tem direito. Nessa conta, a Globo não é mais do que um símbolo do que precisa ser feito para que os artigos constitucionais 220-224 não permaneçam sendo apenas “poesia”, sem valor nenhum. Tem lá escrito que os meios de comunicação não pode ser “direta ou indiretamente objeto de monopólio ou oligopólio”. Só falta ter a leizinha lá pra dizer o que é esse bicho e como impedir que aconteça. Diz lá, no 221, que as emissoras precisam ter “conteúdo regional de acordo com percentuais estabelecidos em lei”. Que lei? Poisé. Não fizeram. Precisam fazer. Precisamos lutar pra que façam.

Vale lembrar que a normatização do uso do espectro eletromagnético é obrigação de todos os governos federais no mundo todo. Vale lembrar que, ao contrário do que se diz, a radiodifusão no Brasil É, SIM, regulada. Por uma lei de 1962. Sim, você não pode simplesmente comprar um transmissor e usar um canal sem autorização. Tem gente que faz isso e se lasca, embora esteja no seu direito de se comunicar.

Vale também lembrar que em todos os países mais ou menos democráticos do mundo há normas estruturais claras e objetivas que ordenam a distribuição e o uso dos canais que são escassos e públicos. Um exemplo que sempre uso é o dos EUA, o país mais liberal do mundo. Lá a propriedade cruzada tem diversas restrições e nenhuma rede de televisão aberta pode ter audiência média superior a 39%. Assim, cinco redes competem pelo público, com discursos mais ou menos diversos (ainda que sofrendo do mesmo hipercomercialismo que sofremos). Na Europa, é dada prioridade à mídia pública (não estatal).

Dizer que a Globo é a emissora que produz melhor, que é a tamporosa e por isso está sendo injustiçada, não cola. Em qualquer mercado oligopolizado, de qualquer setor, funciona da mesma forma. Quem domina a área, tem mais dinheiro, mais margem para arriscar, e acaba – mesmo – lançando os melhores produtos. E alguns dos piores também.

Na nosso “vendinha” brasileira, baseada no lucro, as demais emissoras são espécies de “satélites” da Globo. Limitam-se a imitar a Vênus Platinada, na esperança de tirar-lhe taquinhos de audiência. Não oferecem, via de regra, diferença de forma ou de conteúdo. Mas um subproduto do mesmo extrato comercial e conservador que o PlimPlim distribui depois de ter passado décadas mamando nas tetas dos nossos governos (tendo início com a já cansada história do apoio da ditadura civil-militar, da Embratel, TimeLife, etc).

Então, seguinte. Vamos entender as coisas como elas são. Que a comunicação é um DIREITO de todo mundo. E que para todo mundo poder exercer esse direito (que inclui a expressão e o direito à informação com diversidade), é preciso que tenhamos MAIS mídia independente, MENOS recursos públicos para a mídia privada, MENOS concentração de controle e propriedade, MAIS canais disponíveis para a sociedade, MAIS conteúdo local e MENOS influência de governos e mercados nos conteúdos da radiodifusão.

Se a Globo for rocheda mesmo, vai viver por mais cinquenta anos e conseguir trazer cada vez mais uma contribuição interessante para nossa televisão e nossa sociedade.


*é Jornalista, mestre em Comunicação pelo PPGCOM/UFPE, integrante do Centro de Cultura Luiz Freire

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