terça-feira, 22 de abril de 2014

A insegura é pública e notória



Uma reportagem, por mais que se aproxime da realidade dos fatos que busca relatar, sempre deixa escapar a verdade em sua plenitude, seja por censura ou conveniência do dono da empresa de comunicação, seja por autocensura, conveniência, negligência, preguiça ou incompetência do repórter, por omissão e conveniência ou má fé das fontes entrevistadas, ou por motivos intangíveis, próprios da dimensão humana, onde a essência das coisas escapa à razão, transcendendo o entendimento imediato. Portanto, convém deixar claro que o grau de distanciamento/aproximação da verdade, nas reportagens, nem sempre está sob o controle do jornalista. 


Sendo assim, as reportagens que relataram o fato ocorrido no dia 12 de abril, por volta das 22h, na Praia de Pajuçara, envolvendo os integrantes da blitz da Operação Lei Seca, que era realizada entre o hotel Enseada e o monumento a Teotônio Vilela, ficaram muito longe da verdade.  Na ocasião, um grupo composto por mais de 30 integrantes da comunidade religiosa “Ministério Sal da Terra”, que regularmente se agrupam para recreação na areia da praia, no momento em que estavam dividindo os times para iniciar um bate bola, foram surpreendidos pelo inesperado e presenciaram um dos membros da congregação, Sr. José Valmir Rodrigues, ser atingido por dois disparos de arma de fogo e cair ao chão pedindo ajuda. 

Um dos tiros acertou o braço esquerdo da vítima, acima do cotovelo, lacerando o úmero e provocando um forte sangramento, que foi parcialmente contido, a graças à atuação de um enfermeiro que fazia parte do grupo; o outro tiro atingiu o diafragma de Valmir e se alojou no fígado. A outra vítima do incidente foi o filho de Valmir, que foi atingido por um dos disparos, de raspão, na região glútea. 

O fato omitido, e talvez o mais importante do ponto de vista jornalístico, é que, após dispararem mais de uma dezena de tiros contra os ocupantes da motocicleta, que não obedeceram à ordem de parar e desviaram-se da blitz pela ciclovia da Pajuçara, os policiais perceberem que havia uma vítima, fruto da ação intempestiva e desastrosa, e se aproximaram do grupo de amigos da vítima, que tentava socorrer Valmir. Há o testemunho de que uma policial pediu desculpas pelo ocorrido e afirmou que o tiro que atingiu Valmir teria sido deflagrado pelos delinqüentes em fuga. 

Ora, do ponto de vista da lógica, a possibilidade do tiro ter sido dado pelos delinqüentes é praticamente zero, pois a linha de tiro originou-se de onde estava acontecendo a Operação. Para que o tiro fosse disparado pelos possíveis marginais em fuga, eles teriam que ter atirado em direção oposta ao pretenso alvo (os policiais integrantes da Operação) e direcionado os disparos em direção ao mar.    
Ato contínuo, outro policial diz que irá chamar o SAMU, mas alegando que esse serviço de emergência poderia demorar a chegar ao local, pergunta se algum amigo da vítima tem carro. Diante da confirmação de sua indagação, sugere que o levem imediatamente para o HGE. Ainda prometeram que escoltariam o carro onde a vítima seria conduzida. Entretanto, em seguida, os policiais desmontam a Operação Lei Seca e deixaram o local sem prestar socorro à vítima, que foi conduzida até o HGE em um carro particular.

Como agentes integrantes do aparelho repressor do estado, no exercício de suas atividades fins, que participavam de uma ação institucional (Operação Lei Seca) que visa punir cidadãos que infligem à cidadania, colocando em risco a vida de outros, através do ato de beber e dirigir, foram capazes de cometer ato tão inconsequênte e negligente, seguido de omissão e fuga?

Ao dispararem contra os delinqüentes em um espaço público (uma praia repleta de transeuntes), os policiais assumiram todos os riscos de ferir e/ou matar. Claro está que a omissão de socorro foi deliberada e teve como motivação livrar-se responsabilidade das consequências do ato praticado, que poderia, inclusive, ocasionar uma detenção imediata por flagrante delito. 

A assessoria da Polícia Militar justificou que a “Operação Lei Seca” não é de responsabilidade da instituição, sendo os policiais colocados à disposição do DETRAN. Ora, o comando da Polícia Militar é responsável pelo comportamento e pelos atos de seus agentes, quando estes estiverem em serviço ou que tenham sido oficialmente colocados à disposição de qualquer instituição ou autoridade.

Deixo claro que sou totalmente a favor da regular realização e da rigidez na Operação Lei Seca, pois a defendo mesmo antes de sua institucionalização. Defendo também condições dignas e seguras de trabalho, além de uma remuneração mais justa, para a Polícia Militar e Civil. Entretanto, essa ocorrência revela o despreparo dos agentes indicados para participar de ações importantes que estão vinculadas ao exercício da cidadania, necessitando-se de uma conduta ilibada e exemplar de seus realizadores, sob pena de, ao invés do aplauso, ter a repulsa da sociedade.


Por Lutero Melo - Jornalista e Coordenador de Políticas Públicas do Comitê do FNDC Alagoas.

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