Uma reportagem, por mais que se aproxime da realidade dos
fatos que busca relatar, sempre deixa escapar a verdade em sua plenitude, seja
por censura ou conveniência do dono da empresa de comunicação, seja por autocensura,
conveniência, negligência, preguiça ou incompetência do repórter, por omissão e
conveniência ou má fé das fontes entrevistadas, ou por motivos intangíveis,
próprios da dimensão humana, onde a essência das coisas escapa à razão,
transcendendo o entendimento imediato. Portanto, convém deixar claro que o grau
de distanciamento/aproximação da verdade, nas reportagens, nem sempre está sob
o controle do jornalista.
Sendo assim, as reportagens que relataram o fato ocorrido no
dia 12 de abril, por volta das 22h, na Praia de Pajuçara, envolvendo os
integrantes da blitz da Operação Lei Seca, que era realizada entre o hotel
Enseada e o monumento a Teotônio Vilela, ficaram muito longe da verdade. Na ocasião, um grupo composto por mais de 30 integrantes
da comunidade religiosa “Ministério Sal da Terra”, que regularmente se agrupam
para recreação na areia da praia, no momento em que estavam dividindo os times
para iniciar um bate bola, foram surpreendidos pelo inesperado e presenciaram
um dos membros da congregação, Sr. José Valmir Rodrigues, ser atingido por dois
disparos de arma de fogo e cair ao chão pedindo ajuda.
Um dos tiros acertou o braço esquerdo da vítima, acima do
cotovelo, lacerando o úmero e provocando um forte sangramento, que foi parcialmente
contido, a graças à atuação de um enfermeiro que fazia parte do grupo; o outro tiro
atingiu o diafragma de Valmir e se alojou no fígado. A outra vítima do
incidente foi o filho de Valmir, que foi atingido por um dos disparos, de
raspão, na região glútea.
O fato omitido, e talvez o mais importante do ponto de vista
jornalístico, é que, após dispararem mais de uma dezena de tiros contra os
ocupantes da motocicleta, que não obedeceram à ordem de parar e desviaram-se da
blitz pela ciclovia da Pajuçara, os policiais perceberem que havia uma vítima,
fruto da ação intempestiva e desastrosa, e se aproximaram do grupo de amigos da
vítima, que tentava socorrer Valmir. Há o testemunho de que uma policial pediu
desculpas pelo ocorrido e afirmou que o tiro que atingiu Valmir teria sido
deflagrado pelos delinqüentes em fuga.
Ora, do ponto de vista da lógica, a possibilidade do tiro
ter sido dado pelos delinqüentes é praticamente zero, pois a linha de tiro
originou-se de onde estava acontecendo a Operação. Para que o tiro fosse
disparado pelos possíveis marginais em fuga, eles teriam que ter atirado em
direção oposta ao pretenso alvo (os policiais integrantes da Operação) e
direcionado os disparos em direção ao mar.
Ato contínuo, outro policial diz que irá chamar o SAMU, mas
alegando que esse serviço de emergência poderia demorar a chegar ao local,
pergunta se algum amigo da vítima tem carro. Diante da confirmação de sua
indagação, sugere que o levem imediatamente para o HGE. Ainda prometeram que
escoltariam o carro onde a vítima seria conduzida. Entretanto, em seguida, os policiais
desmontam a Operação Lei Seca e deixaram o local sem prestar socorro à vítima,
que foi conduzida até o HGE em um carro particular.
Como agentes integrantes do aparelho repressor do estado, no
exercício de suas atividades fins, que participavam de uma ação institucional (Operação
Lei Seca) que visa punir cidadãos que infligem à cidadania, colocando em risco
a vida de outros, através do ato de beber e dirigir, foram capazes de cometer
ato tão inconsequênte e negligente, seguido de omissão e fuga?
Ao dispararem contra os delinqüentes em um espaço público
(uma praia repleta de transeuntes), os policiais assumiram todos os riscos de
ferir e/ou matar. Claro está que a omissão de socorro foi deliberada e teve
como motivação livrar-se responsabilidade das consequências do ato praticado,
que poderia, inclusive, ocasionar uma detenção imediata por flagrante delito.
A assessoria da Polícia Militar justificou que a “Operação Lei
Seca” não é de responsabilidade da instituição, sendo os policiais colocados à
disposição do DETRAN. Ora, o comando da Polícia Militar é responsável pelo
comportamento e pelos atos de seus agentes, quando estes estiverem em serviço ou
que tenham sido oficialmente colocados à disposição de qualquer instituição ou
autoridade.
Deixo claro que sou totalmente a favor da regular realização
e da rigidez na Operação Lei Seca, pois a defendo mesmo antes de sua
institucionalização. Defendo também condições dignas e seguras de trabalho,
além de uma remuneração mais justa, para a Polícia Militar e Civil. Entretanto,
essa ocorrência revela o despreparo dos agentes indicados para participar de ações
importantes que estão vinculadas ao exercício da cidadania, necessitando-se de
uma conduta ilibada e exemplar de seus realizadores, sob pena de, ao invés do
aplauso, ter a repulsa da sociedade.
Por Lutero Melo - Jornalista e Coordenador de Políticas Públicas do Comitê do FNDC Alagoas.
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