terça-feira, 18 de setembro de 2012

50 anos do Código Brasileiro de telecomunicações (CBT): uma lei arcaica e obsoleta



A Lei 4.117, aprovada em 27 de agosto de 1962, teve 52 vetos do presidente João Goulart. Três meses depois, o Congresso Nacional, atendendo ao lobby da empresas de radiodifusão, derrubou todos os vetos do presidente. Assim, nasceu o Código Brasileiro de Telecomunicações (CBT). Na mesma época foi fundada a Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (ABERT), para unificar o setor contra qualquer tentativa de contrariar os interesses políticos e econômicos desse segmento


O CBT foi regulamentado pelo Decreto 52.026, de 20 de maio de 1963, que disciplinava as telecomunicações (telegrafia, telefonia e satélites), e pelo Decreto 52.795, de 31de outubro de 1963, que ordenava a radiodifusão (rádios, TV’s e rádio amador). Numa breve digressão histórica, pontuamos que o rádio chegou ao Brasil em 1922 – como Rádios Clubes ou Rádios Sociedades. Todos os transmissores e receptores eram cadastrados. As emissoras possuíam o cadastro dos ouvintes. Nessa época as rádios possuíam um modelo de funcionamento parecido com a que atualmente é destinada as Rádios Comunitárias (Radcom’s).

Em 1930, o presidente Getúlio Vargas, atendendo aos interesses das fabricantes americanas de transmissores e receptores de rádio, passa a não mais conceder autorizações dentro desse modelo. Nascem às rádios comerciais, empresas de comunicação embriões dos grandes conglomerados de exploração capitalista da comunicação existentes atualmente.

Em 1950 surge a TV no Brasil – TV TUPI, de propriedade de Assis Chateaubriand, controlador dos Diários Associados, conglomerado de empresas de comunicação que incluía jornal, rádio e TV, que a exemplo de Roberto Marinho, constituem os dois poderosos “cidadãos Kane” à brasileira. A televisão no Brasil também foi implantada de maneira informal, pois não havia regulamentação, já que o CBT foi a primeira lei orgânica das comunicações no Brasil. Até a sua promulgação as questões ligadas aos meios de comunicação eram resolvidas casuisticamente pelo presidente da republica, através de decreto, atende ao lobby econômico e político. 

O CBT foi gestado sob a égide da constituição de 1946, a exemplo do atual Código Penal, que também está caduco, no Governo de João Goulart, período que possui algumas particularidades: foi o único momento político no Brasil onde esteve em vigência o sistema Parlamentarista. O primeiro ministro era Tancredo Neves. O governo de João Goulart pretendia instaurar as Reformas de Base e terminou deposto pelo Golpe Militar de 1964.

Na época de sua publicação o conteúdo do CBT constituía-se uma verdadeira salada e atualmente se assemelha a uma velha cocha de retalhos com remendos novos. Nele incluiu-se de tudo: telegrafia, telefonia, correios, radiodifusão (rádio e TV), rádio amadorismo, horário eleitoral gratuito (obrigatório), crimes de imprensa, Voz do Brasil. Ou seja, todas as formas tecnológicas de emissão, transmissão e recepção de mensagens e informação existentes à época foram inclusas na Lei 4.117/62.

O CBT previa a destinação mínima de 5% da programação de rádio e TV para o jornalismo, 25% para publicidade e o restante da programação poderia ser utilizado para entretenimento. A voz do Brasil também foi criada pelo CBT, em seu artigo 38, alínea “E”.   O CBT também estabeleceu o horário eleitoral, chamado equivocadamente de gratuito, quando o correto é chamá-lo de obrigatório, já que as empresas descontam o valor das veiculações do imposto de renda. O Artigo 41 previa que o valor a ser cobrado seria o preço de mercado praticado até seis meses antes do início da veiculação. Nas suas disposições finais, o CBT revogava a necessidade de registro dos aparelhos de rádio e TV e perdoava as multas e dívidas já ajuizadas pelo poder público contra os proprietários de aparelhos de rádio não registrados. O CBT também extinguiu a Comissão Técnica do Rádio, que orientava o governo sobre a regulamentação do setor e exista desde 1930.

Em 1967, os serviços de correios e telégrafos, através do decreto 200, foram absorvidos pelo Minicom, que foi criado pelo decreto 162, em 13 de fevereiro de 1967. A criação do MINICOM provocou o empoderamento do ministro das comunicações (Minicom) e do Dentel (Departamento Nacional de Telecomunicações), pois a Lei 5.535, de 20 de novembro de 1968 extingue o Contel (Conselho Nacional de Telecomunicações) e transfere suas atribuições e funções para o Minicom e submete o Dentel à tutela do titular da pasta.  O Decreto Lei 509, de 20 de março de 1969 transformou o departamento de correios e telégrafos na estatal Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (ECT).

O CBT teve como principal objetivo instaurar o Sistema Brasileiro de Telecomunicações: criou o Contel, o Dentel, O departamento dos Correios e Telégrafos. Em seu Artigo 42, o CBT previa a estatização dos serviços de telefonia. Para isso, foi criada a Embratel, através do Decreto-Lei 52.026, de 20 de maio de 1963. A Embratel foi transformada em empresa de economia mista pelo Decreto 70.013, em 02 de agosto de 1972 e passou a ser, juntamente com outras 27 empresas estaduais de telecomunicações, subsidiárias da Telebras, criada pelo decreto 70.014 editado na mesma data de criação da Embratel. O Sistema Telebrás foi privatizado na segunda metade da década de 90, durante o governo de Fernando Henrique Cardoso. A Telebras, empresa mãe, não foi extinta, sendo reativada no governo Lula para cuidar da implantação da banda larga, utilizando a infra-estrutura das redes de transmissão das empresas de energia elétrica.

Várias leis foram sancionadas para dá novas regulamentações aos diversos temas contidos no CBT. Entre elas, o Código Eleitoral (lei 4.737, de 15 de julho de 1965) deu nova regulamentação a propaganda dos partidos e candidatos. A propaganda continha apenas o nome da legenda (Partido/Coligação), o numero, uma foto chapada do candidato e a apresentação do currículo do candidato narrado por um locutor. A Lei de Imprensa (Lei 5.250/670) que recentemente foi declarada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal (STF), fato que gerou um vácuo jurídico no que se refere aos crimes de imprensa, deixando sua interpretação e punição a cargo da subjetividade dos juízes.

A promulgação da constituição de 1988 alterou muitas regras previstas no CBT. A principal foi a forma de concessão de outorgas de rádio e TV, que passou a ser prerrogativa do Congresso Nacional, pois até aquela data as concessões eram atos privativos do presidente da republica. Por isso, a famosa barganha feita por Sarney na década de 80, que distribuiu 112 canais de rádios e TV’s para deputados e senadores aprovarem a prorrogação de seu mandato de quatro para seis anos.

No bojo do espírito democrático instituído na Constituição de 1988, no início da década de 90 foi criado o Conselho de Comunicação Social, órgão de assessoramento do Senado Federal, através da lei 8.389, de 30 de dezembro de 1991. Já a lei 8.977, de 06 de janeiro de 1995, regulamentou a implantação e funcionamento das TV’s a Cabo, tecnologia que não existia à época da promulgação do CBT. Já a lei 9.472, de 16 de julho de 1997, chamada de Lei Geral de Telecomunicações, deu nova regulamentação ao setor, e tornou o CBT inútil. A lei 9.612, de 02 de fevereiro de 1998, criou e regulamentou a instalação e funcionamento das Rádios Comunitárias, atendendo a que está previsto na constituição de 1988, no Capítulo da Comunicação Social, que criou o setor público de comunicação, que não era previsto no CBT, já que o mesmo só regulamentou dois segmentos da radiodifusão: o estatal (rádios e TV’s Educativas e Universitárias) e o privado (rádios e TV’s comerciais). 

Até hoje a criação e regulamentação das TV’s Comunitárias (TVCOM’s) não foi realizada, pois ela só existe na TV a cabo (por assinatura), por isso acusa de ser excludente e elitista. Embora esteja tramitando no Congresso Nacional, desde 1997, um Projeto de Lei do ex-deputado federal pelo PT de Pernambuco, Fernando Ferro, as TVCOM’s em sinal aberto ainda são um sonho acalentado pelas entidades do terceiro setor, mas que esbarra no pesado lobby dos empresários de comunicação.

Já a lei 12.485, de 12 de setembro de 2011, sancionada pela presidenta Dilma Rousseff, unificou em sua só lei o ordenamento jurídico das TV’s por Assinatura (a cabo, MMDS e satélite), três segmentos tecnológicos que sequer se sonhava á época da promulgação do CBT.  Por tudo isso, e para além da evolução das tecnologias da comunicação e da informação, consorciada a interoperabilidade das redes (convergência tecnológica), é que o Brasil precisa com urgência de uma nova lei de comunicação eletrônica de massa. 

Por Lutero Rodrigues de Melo

Nenhum comentário:

Postar um comentário